23.6.07

| tempo passado e o museu da pessoa

| dally schwarz, aluna de 'comunicação e cultura', nos apresentou uma interessante relação entre o ponto de vista de beatriz sarlo em relação a memória, tratado em nosso último post, com a idéia da memória pessoal na construção da história.
| nessa relação, sugeriu que conhecêssemos o sítio do 'museu da pessoa', um museu virtual de histórias de vida aberto à participação gratuita de toda pessoa que queira compartilhar sua história.



| imagem
| Salvador Dali, A Persistência da Memória (1931)

21.6.07

| sarlo e seu tempo passado

| Em “Tiempo pasado”, Beatriz Sarlo critica o excesso de importância dada a testemunhos para a compreensão da história.

| “Quando a lenda vira fato, imprima-se a lenda.” A máxima, ironicamente cunhada por John Ford em “O homem que matou o facínora” (1962), vem sendo obedecida com toda diligência pela história, e é por isso que está no centro da mais nova discussão proposta pela pensadora argentina Beatriz Sarlo em seu recém-lançado “Tiempo pasado, cultura de la memoria y giro subjetivo - Una discusión”.

| Contemporânea e participante das transformações engendradas nos anos 60 e 70, Sarlo, quatro décadas depois, oferece um novo desafio: reconstruir o passado a partir de fatos, e não de lendas. Interromper o entendimento do testemunho como “ícone da Verdade”, como grafa à pág. 23 de seu livro. Escrever a história com eqüidade na valorização das fontes de informação. “Eu não confio mais na memória do que nas informações jornalísticas, nos programas políticos, nos livros”, afirma. “A memória, em geral, não expande as dimensões intelectuais de um período.”

| O foco de “Tiempo pasado” (ed. Siglo XXI, 168 págs., 25 pesos argentinos -cerca de R$ 18) está posto sobretudo na compreensão dos anos de ditadura na América Latina. Em como -na falta de provas materiais que atestassem os crimes militares- o depoimento em primeira pessoa terminou por se transformar, de recurso para busca da verdade, em algo inquestionável, “sagrado” e visto francamente como superior a qualquer outra maneira de obter informação.

| A autora não questiona a pertinência e o papel do testemunho para processos jurídicos e morais. O que debate é o porquê de a memória ter se tornado, nas sociedades contemporâneas, material sobre a qual recai maior dose de confiança. O porquê de o relato em primeira pessoa -relacionado à experiência vivida, seja diretamente aos fatos ou como vivência subseqüente- não estar submetido aos métodos de crítica, comparação e análise dedicados a outras fontes da história. “Não se pode prescindir do relato em primeira pessoa, mas tampouco se pode deixar de problematizá-lo. A idéia da verdade em si é um problema”, argumenta (pág. 163).

| Essa “cultura da memória” é questionada por Sarlo em outros aspectos, para além da falta de rigor metodológico que lhe acompanha: a subjetividade natural a que está sujeita; as influências externas que modificam ou pelo menos condicionam o que é “lembrado” pelos participantes diretos dos fatos. Por terem vivido a experiência da qual trata a investigação histórica, recebem uma espécie de salvo-conduto para suas afirmativas e provocam um “giro subjetivo” na compreensão do passado.

| Dessa maneira, a história passa a ser erigida por visões individuais, e não pelo acúmulo de dados provenientes de diversos registros e instâncias e que, por intensificar as possibilidades de compreensão do objeto em foco, o tornaria tanto mais complexo quanto completo. Cita Susan Sontag (pág. 26) para deixar clara a pulsão de seu livro: “É mais importante entender do que recordar, ainda que para entender seja necessário, também, recordar”.

| A pesquisadora apresenta sua preocupação quanto ao império do depoimento já na capa de “Tiempo pasado”. Nela, o cineasta iraniano Abbas Kiarostami olha pela nesga de uma porta quase fechada. Ao seu redor, as colinas de Teerã se erguem, altaneiras, aparentemente infinitas. Seu olhar, no entanto, alcança somente uma ínfima parte dessa vastidão: a porção que lhe é permitido vislumbrar pelo vão de uma porta que nem mesmo totalmente aberta está.


| Beatriz Sarlo propõe a derrubada dessa porta, para que a história tenha condições de fazer o passado surgir tão amplamente quanto lhe seja possível apresentar-se.

| A autora bonaerense de 63 anos, professora de literatura argentina por duas décadas na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires e diretora, desde 1978, da revista de cultura e política “Punto de vista”, conversou com Trópico sobre seu livro.



fonte Revista 'Trópico'; matéria 'Chega de subjetividade' por Denise Mota

20.6.07

| produções de telencéfalos altamente
desenvolvidos e polegares opositores, 05

| criar, adaptar e/ou se aproriar de algum produto ou meio, embasados na disciplina de 'comunicação e cultura' relacionando seus conceitos e problematizações ao curta metragem 'ilha das flores' objetivando representar essa ou essas relações sinteticamente - essa foi a proposta de um trabalho pedido aos alunos de 'comunicação e cultura'
| algumas das produções finais destes trabalhos, como as que seguem abaixo, estão sendo exibidas por aqui





Com dinheiro tudo bem sem dinheiro tudo mal
O dinheiro nesta vida é peça fundamental
(...)
Sem dinheiro tô distante, não sou nada
Sou figura apagada, objeto sem valor




| imagem (nem tudo são flores...)
| leonardo cerqueira

| foto de sebastião salgado
| chintia saito

| letra de "Com dinheiro tudo bem", música de Bezzerra da Silva
| vanessa rocha (excerto de seu trabalho)

| néstor garcía canclini
| dicionário para consumidores descontentes

| Argentino radicado no México, Canclini é um dos maiores nomes dos 'Estudos Culturais' na América Latina. Filósofo e cientista político, é autor de, entre outros, 'Consumidores e Cidadãos' (ed. UFRJ) e 'Culturas Híbridas' (edusp). Este texto foi publicado originalmente na revista mexicana 'Letras Libres' e a tradução publicada aqui é de Luiz R. M. Gonçalves.


americanização
Termo empregado por soberba ou preguiça para indicar a norte-americanização. Em rigor, dever-se-ia usar uma palavra ainda mais incômoda -estadunidização- para designar o processo pelo qual o consumo e em geral o estilo de vida de diversos países se assemelhariam cada vez mais aos dos Estados Unidos.
É inegável o lugar predominante que têm nos mercados mundiais Nova York nas artes plásticas, Miami na música e Los Angeles no cinema. Filmes e programas de televisão americanos são distribuídos por cadeias de comunicação em que abunda o capital americano. Esses setores costumam se beneficiar da enérgica influência dos Estados Unidos no Banco Mundial, no Fundo Monetário Internacional e em organismos de comunicação transnacionais. O conciliábulo (lobby) das empresas e do governo norte-americanos vem influindo para que nos países europeus e latino-americanos se paralisem iniciativas jurídicas e econômicas (leis de proteção ao audiovisual) destinadas a promover a produção cultural endógena. Mas é simplista afirmar que a cultura mundial se fabrica nos Estados Unidos, ou que esse país detém o poder de orientar e legitimar tudo o que se faz em todos os continentes. A globalização cultural não é um ramo da engenharia genética, cuja finalidade seria reproduzir em todos os países os dons do "American Way of Life".
Uma paisagem mais complexa surge quando vemos como as relações históricas mais amplas da América Latina com a Europa se intensificaram na última década, quando a propriedade de alguns meios de comunicação, editoras e bancos passaram para mãos espanholas. Como muitas dessas vendas do patrimônio foram aprovadas pelos governos latino-americanos ou consentidas pelas leis espanholas, mais útil que empregar uma retórica antiamericana ou antiespanhola seria perguntar a nossos governantes que parte das economias e culturas latino-americanas eles pretendem conservar, enquanto fingem pagar as dívidas externas e internas.
Por outro lado, o controle das corporações americanas sobre ramos da comunicação de massa não implica a obediência automática dos públicos. Os programas de maior audiência na televisão do Brasil, Colômbia, México e da Espanha, França e Itália são do próprio país. As pesquisas sobre consumo musical revelam que na América Latina não predomina a música em inglês, nem o que se chama de "música internacional", como unificação do anglo-americano com o europeu. No Peru prevalece a chicha, na Colômbia, o vallenato, em Porto Rico, a salsa, no Brasil, 65% do que se escuta provêm do conjunto de músicas nacionais, enquanto na Argentina, Chile e México a combinação de repertórios domésticos com outros em espanhol supera a metade das preferências.

audiências
Nem indivíduos isolados nem massas uniformizadas. Os estudos mais sérios sobre quem assiste cinema nas salas de projeção, em vídeos ou pela televisão e escuta música em concertos, pelo rádio e na internet (Pierre Bourdieu, David Morley e Dominique Wolton, por exemplo) abandonaram as generalizações apocalípticas sobre a homogeneização do mundo e também a idealização romântica que via, no outro extremo, cada pessoa tendo uma relação única com a arte a partir de uma subjetividade incondicional. Os públicos não nascem, mas se fazem. São formados pela família, pela escola, pelos meios de comunicação e ofertas culturais comerciais e não-comerciais. Esses atores influem nas maneiras como nos aproximamos ou distanciamos das experiências de consumo cultural. A técnica mercadológica começou a entender há pouco tempo que a industrialização da cultura prosperaria se se levassem em conta as diferenças entre países, entre homens e mulheres e entre os que têm 60, 40 ou 15 anos de idade. As instituições governamentais encarregadas da difusão cultural custam a admitir que sua tarefa de formar públicos deveria ir além de multiplicar a oferta, publicar slogans e cartazes e realizar circo, pantomima e teatro em salas e escolas. Com verbas cada vez mais raquíticas, competem mal com as indústrias de comunicação, em vez de se dedicar a promover inovações, gerar ao longo da educação experiências capacitadoras para desfrutar a arte e abrir sulcos para que cresçam em liberdade muitas imaginações inovadoras. A eficácia da comunicação cultural aumenta quando se considera a variedade de contextos grupais, familiares e étnicos nos quais se recebem as mensagens industrializadas e onde elas interagem com as tradições e os hábitos de compreensão locais.

cidadãos-do-consumo
Quando se observam os comportamentos maciços dos mercados, parece que tentam nos desativar, para que sejamos cada vez menos responsáveis e percamos nossa capacidade de intervir nos espetáculos que desfrutamos ou de reagir diante da informação que nos impõem. Em parte é assim, mas é preciso conjugar essa afirmação com as novas formas de hiperatividade produzidas pela tecnologia e com o progresso das demandas sociais, políticas e culturais. Cidades como Madri e Barcelona ou como a Cidade do México e Buenos Aires, que começaram a eleger seus governantes em meados dos anos 90, são palco de discussão, sobretudo pelo que se faz ou se descuida na cultura. Associações civis e ONGs estão representando setores antes marginalizados do sistema político ou que careciam de voz para reclamar. De maneira que existe um jogo complexo em várias direções entre ser cidadão e ser consumidor. Em algumas formas de expansão do consumo, como a internet, ou com o crescimento das matrículas no ensino médio e superior, se criam melhores condições para que os consumidores sejamos mais capazes de apreciar diversos repertórios culturais e estéticos. Ao lado de empresas que preferem clientelas uniformizadas e dóceis, outras como a MTV incorporam os gostos locais, transmitem de várias cidades e combinam sotaques diferentes de espanhol e inglês. E os novos movimentos sociais têm formatos maleáveis, dispostos a conectar demandas múltiplas que podem se articular globalmente. Na América Latina são raras as instituições capazes de propor e expressar um tipo de cidadania apropriado para esta época. O voto é um pouco mais respeitado que em outros tempos, mas faltam movimentos de consumidores, de telespectadores e formas de representação cidadã como a do ombudsman, dos direitos da comunicação e culturais. Somente cinco jornais em espanhol têm a figura do defensor do leitor. Na televisão, vários países europeus moderam o tempo de publicidade e a espetacularização violenta de conflitos íntimos e dramas sociais por meio de conselhos integrados por diferentes setores (governo, sociedade civil, empresas de comunicação e criadores), mas os governos e empresários latino-americanos rechaçam essas ações. Alegam uma suposta capacidade de auto-regulamentação ética dos canais, embora sua trajetória mostre dificuldades para situar a caça de espectadores dentro de normas públicas. Continuamos esperando a tradução midiática de uma descoberta do século passado: que a democratização da sociedade não passa unicamente pelas práticas eleitorais e outros comportamentos expressamente políticos.

consumidores
Pessoas às quais se interrompe o desfrute de um bem de comunicação, depois de tê-lo comprado no centro comercial ou à saída do cinema, ou depois de ter mudado de canal 140 vezes durante duas horas, e tudo para lhes perguntar por que fizeram isso e quantas vezes incorreram no mesmo ato nos últimos seis meses.

cool
Prática irônica dos que hoje constituem a principal faixa consumidora: adolescentes e jovens. Em uma época em que a "idade ideal", segundo os estudos de marketing, se situa ao redor dos 17 anos, o desfrute leviano dos estudantes secundários nos usos descuidados da roupa, a predileção por escutar em pedacinhos as obras musicais, o frenético videoclipe, substituem a estética kitsch, também inserida nos produtos de massa, mas que ainda depende da sensibilidade diante da arte culta própria dos adultos com bom nível econômico.

corpo
Parte da pessoa que nas últimas décadas concentra muitas descobertas e emancipações, embora a mercadologia tenda a reduzi-lo a algo que serve para ir à academia, usar roupas para divulgar marcas escritas sobre as peças em letras cada vez maiores, exibir estilos de vida e atitudes distintivos.

empresas
Instituições privadas que produzem marcas, publicidade para imprensa, rádio, cinema, televisão e internet, e que de vez em quando, para tornar verossímil essa vasta produção simbólica, também fabricam objetos.

espectadores
Seres expectantes para saber de que tratam os filmes anunciados em cartazes gigantescos nas vias expressas dois meses antes de aparecerem nos cinemas, leitores de revistas onde se conta a vida de atores e atrizes, navegadores da internet que só lêem o que aparece em telas e que compram pouco. (Ver "Neo-Espectadores".)

estado
Conjunto de aparatos governamentais que está muito atento aos momentos em que as empresas produzem objetos materiais, vendáveis e usáveis, porque só nesses casos podem lhes cobrar impostos. A escassez de fundos públicos gerada por esse predomínio da publicidade sobre a produção, do simbólico sobre o material, torna necessário aumentar constantemente os impostos que se pagam para consumir, trabalhar e mandar os filhos à escola.

interatividade
Há diferenças entre o consumidor de televisão e o da internet? Algumas. O usuário da internet costuma ser mais ativo, trabalha mais na edição do material, pode selecioná-lo, ir e vir, interromper a comunicação. Às vezes o consumidor de televisão o imita, porque o controle remoto permite esse jogo, mas em geral tem fidelidades mais rígidas. A interatividade da internet é mais desterritorializada. Estudos mostram a facilidade dos internautas para sociabilizar de posições indefinidas, inclusive simuladas, inventando-se identidades. Nas universidades dos Estados Unidos está na moda pesquisar fenômenos de autismo e desconexão social, porque as pessoas preferem estar diante da tela a se relacionar com interlocutores e em lugares fisicamente localizados.

kitsch
É a maneira de ser um consumidor irônico. Trata-se de transformar o sério em frívolo, ver entre aspas a transbordante abundância das sociedades pós industriais ou, nas palavras de Susan Sontag, gozar os exageros e as vulgaridades modernas graças ao fato de perceber a ambição do projeto como "uma seriedade que fracassa". Como um "dandismo moderno, o kitsch é a resposta para o problema de como ser elegante na época da cultura de massas".

mani-festa-ações
Aglomerações de pessoas convocadas pela internet e organizadas por telefones celulares, que se reúnem de seis a oito vezes por ano em Seattle, Davos, Gênova e outras cidades da Europa e dos Estados Unidos para condenar e revelar ruidosamente os segredos de megaempresários e minigovernantes.

marca
Originalmente era indicada nos produtos para dar a conhecer a fábrica de onde procediam e permitir que se inferisse sua qualidade. Nas calças e camisas, era colocada em um lugar oculto, acompanhada do nome do país de origem. Quando os consumidores haviam sido educados no sistema classificatório dos logotipos e sua correspondência com as nações, o mercado fez perder a discreta referência sobre o valor dos produtos e, em vez de colocar as etiquetas embaixo da gola, começou a exibi-las com letras gigantescas, deformadas, abreviando as palavras, em toda a extensão do suéter ou da camiseta. Às vezes a marca pode ser lida mais claramente na parte interior do colarinho, mas vem complicada com legendas em vários idiomas: o fato de passar rapidamente, na mesma etiqueta, de Pierre Cardin ou Benetton a frases como Country Outfitters, e o trabalho para descobrir em qual de todas as línguas se poderá entender se se deve lavar a peça com água fria, morna ou fervendo desanimam os que não são poliglotas. Isso demonstraria que o mercado está organizado para beneficiar as minorias? Também os esportes populares e de massa se estilizam. Verificar em uma partida de futebol o nome do jogador, escrito em letra pequena entre oito anúncios que divulgam em sua camiseta bebidas com álcool, sem álcool, marcas de carros e lugares turísticos, exigirá a ajuda de locutores especializados que indicam quem fez o gol ou, na maioria das vezes, o perdeu, confundido por tanta literatura dentro do campo. Finalmente, o mercado transtorna o pouco que se sabia de geografia econômica quando, sob uma marca francesa, se lê "Made in El Salvador", ou quando as etiquetas da Nike, nome que identificávamos com Estados Unidos, indicam que os tênis foram feitos em Jacarta.

neo-espectadores
Nunca tanta gente viu tantos filmes como agora, mas o público das salas é menor que 20 anos atrás em quase todos os países latino americanos, Europa e Estados Unidos. O cinema é visto na televisão, em vídeos, DVDs e às vezes pela internet. O vídeo se transformou, desde que surgiu no mercado, em meados dos anos 80, na forma majoritária de ver cinema em muitos países. Mesmo os cinéfilos que vão às salas de projeção a cada 15 dias alugam dois a três filmes por semana. Como são esses neo-espectadores? Pesquisas dos anos 90 na Argentina, Espanha e México indicam que em torno de 60% dos clientes de videoclubes são menores de 30 anos. São jovens que cresceram com os vídeos, têm uma relação "natural" com a tela da televisão e estranham menos a diferença com a espetacularidade das salas. Entre os videófilos também abundam os que não vão ao cinema porque têm filhos. Por motivos inversos, os que frequentam as salas são na maioria solteiros ou pessoas que vivem sós. Muitos dos que gostam de ver cinema em vídeo também vão às salas, mas nesse caso é tão importante quanto o filme o passeio familiar, a reunião com os amigos e a saída noturna: se sai de casa não apenas para desfrutar o filme, mas também o ritual prévio e posterior à exibição. O espectador de cinema, esse invento com que se iniciou o século 20, está mudando na última década. Como se forma o conhecimento cinematográfico dos cinéfilos e videófilos? Segundo as pesquisas, tanto a maioria dos que frequentam salas de cinema como a dos que vêem vídeos desconhecem os nomes dos diretores. Nos cinemas quase todo o público sai antes que passem os créditos; nos videoclubes, o agrupamento dos filmes por gêneros e a minúscula referência aos diretores na ficha técnica, em contraste com o lugar destacado dos atores e de cenas "intensas" na capa (dramaticidade, sexo, violência), sugerem que não interessa situar os filmes na história do cinema, nem em relação a seus autores. Enquanto o fato de frequentar a sala de cinema costuma ser orientado por uma consulta à carteira e pela história pessoal dos gostos, que às vezes justificam trasladar-se a outra zona da cidade, os videófilos alugam perto de sua casa e sem decidir previamente. Uma das diferenças mais notáveis entre cinéfilos e videófilos é que a relação dos segundos com os filmes ocorre em um presente sem memória: os videoclubes consideram sem interesse os filmes com mais de 18 meses, e para que permaneçam esse tempo em exibição devem dar uma renda excepcional. A insatisfação manifestada pelos clientes de vídeo não se refere quase nunca à falta de filmes de outras décadas, ou de países que não sejam os Estados Unidos, mas à falta de cópias suficientes das estréias. Não importa que vídeo se alugue, nem quem seja o diretor, desde que se trate do último que há para ver e que prometa "ação-aventura", o gênero mais apreciado em telas grandes e domésticas.

perguntas e respostas
Em muitas sociedades ouvem-se queixas porque os governos não escutam os intelectuais, os cientistas nem os artistas, além de cortar o orçamento das universidades e o financiamento de museus e bibliotecas. Costuma-se atribuir essa negligência ao desmantelamento das instituições públicas pela mercantilização da vida social e à tendência neoliberal a reduzir os intercâmbios entre as pessoas a seu interesse econômico. Talvez haja uma forma mais radical de ler o que está mudando. Ocorre-me que se o que consideramos perguntas culturais não tem respostas políticas, isso acontece porque agora são outros que formulam as perguntas e também foram substituídos os que davam as respostas. Nos tempos da fundação das repúblicas modernas, as perguntas eram feitas por intelectuais humanistas, que podiam chegar a ser políticos, como Domingo Faustino Sarmiento na Argentina, José Vasconcelos no México e André Malraux na França, ou eram dissidentes que os governantes e os meios de comunicação de massa escutavam, por exemplo, Jean-Paul Sartre ou Octavio Paz. Leio em uma análise das formas públicas de comunicação, publicada em abril de 2001, que hoje "a televisão faz a pergunta e a internet responde" ("El País", 29/4/ 2001). Oxalá fosse tão simples, mas a simplificação da fórmula sintetiza um processo que vai aproximadamente nessa direção. O sentido cultural das sociedades se organiza cada vez menos nos romances e cada vez mais nas telenovelas, e mais na publicidade que na universidade. E os políticos, que antes diziam ter respostas sobre para que vale a pena estar juntos (como nação e como comunidades de consumidores), deixaram a tarefa de responder a essas questões da vida pública a cargo dos "criadores" publicitários e dos investidores. A diplomacia internacional é substituída pela internet e os políticos são substituídos pelos portais.

tele-solidariedade
Atividade por meio da qual se aperfeiçoa, de modo audiovisual e eletrônico, a esmola, numa época em que se tornou perigoso estar dentro do automóvel diante de um semáforo com a janela aberta. Mitiga o incômodo visual das penúrias alheias, graças à mediação de vistosos atores e atrizes que pedem colaborações pela televisão. Além disso, ao filmar cenas de orfanatos para indigentes, terremotos e bombardeios, ornadas de vibrantes narrações de locutores sensíveis, consegue-se fazer experimentar emoções que seriam impossíveis de encontrar nas geladas estatísticas da pobreza extrema. Assim protege ao mesmo tempo a dignidade dos "carentes" e o direito dos consumidores a comprar sem culpa o que produzem os patrocinadores dos programas beneficentes.



| fonte| Folha de São Paulo, Caderno MAIS!
27 de janeiro de 2002. p.4-7

| + |texto "El malestar en los estudios culturales" de Canclini na revista mexicana "fractal"

7.6.07

| produções de telencéfalos altamente
desenvolvidos e polegares opositores, 04

| criar, adaptar e/ou se aproriar de algum produto ou meio, embasados na disciplina de 'comunicação e cultura' relacionando seus conceitos e problematizações ao curta metragem 'ilha das flores' objetivando representar essa ou essas relações sinteticamente - essa foi a proposta de um trabalho pedido aos alunos de 'c.c.'
| algumas das produções finais destes trabalhos, como as que seguem abaixo, estão sendo exibidas por aqui


| "(...) a cidadania brasileira (...) é garantida nos papéis, mas não existe na verdade."
| dimenstein, gilberto. o cidadão de papel, p. 36


| colagem
| fernanda leite, estudos de mídia

| citação de gilberto dimenstein
| alexandre sá (excerto de seu trabalho)