O CAMPO CIENTÍFICO
Aula passada conversamos sobre "verdade científica", a questão da razão e da ciência. Para os interessados em continuar os estudos, há um texto de Pierre Bourdieu muito esclarecedor e que nos ajuda a refletir. Coloco parte dele abaixo, aos interessados ver texto completo aqui. Boa leitura.
"O campo científico, enquanto sistema de relações objetivas
entre posições adquiridas (em lutas anteriores), é o lugar, o espaço de jogo de
uma luta concorrencial. O que está em jogo especificamente nessa luta é o
monopólio da autoridade científica
definida, de maneira inseparável, como capacidade técnica e poder
social; ou, se quisermos, o monopólio da
competência científica, compreendida enquanto capacidade de falar e de
agir legitimamente (isto é, de maneira autorizada e com autoridade), que é
socialmente outorgada a um agente determinado. Dizer que o campo é um lugar de
lutas não é simplesmente romper com a imagem irenista da "comunidade
científica" tal como a hagiografia científica a descreve − e, muitas
vezes, depois dela, a própria sociologia da ciência. Não é simplesmente romper
com a ideia de uma espécie de "reino dos fins" que não conheceria
senão as leis da concorrência pura e perfeita das ideias, infalivelmente
recortada pela força intrínseca da ideia verdadeira. É também recordar que o
próprio funcionamento do campo científico produz e supõe uma forma específica
de interesse (as práticas científicas não aparecendo como
"desinteressadas" senão quando referidas a interesses diferentes,
produzidos e exigidos por outros campos). Falando de interesse científico e de
autoridade (ou de competência) científica, pretendemos afastar, desde logo, as
distinções que habitam, implicitamente, as discussões sobre a ciência. Assim,
tentar dissociar o que, na competência científica, seria pura representação
social, poder simbólico, marcado por todo um "aparelho" (no sentido
de Pascal) de emblemas e de signos, e o que seria pura capacidade técnica, é
cair na armadilha constitutiva de toda competência, razão social que se
legitima apresentando-se como razão puramente técnica (conforme vemos, por
exemplo, nos usos tecnocráticos da noção de competência). Na realidade, o
"augusto aparelho" que envolve aqueles a quem chamávamos de
"capacidades" no século passado e de “competências" hoje − becas
rubras e arminho, sotainas e capelos dos magistrados e doutores em outros
tempos, títulos escolares e distinções científicas dos pesquisadores de hoje −
essa "ostentação tão autêntica", como dizia Pascal, toda essa ficção
social que nada tem de socialmente fictício, modifica a percepção social da
capacidade propriamente técnica. Assim, os julgamentos sobre a capacidade
científica de um estudante ou de um pesquisador estão sempre contaminados, no transcurso de sua carreira, pelo
conhecimento da posição que ele ocupa nas hierarquias instituídas (as Grandes
Escolas, na França, ou as universidades, por exemplo, nos Estados Unidos)."
Nenhum comentário:
Postar um comentário