No filme “Maria cheia de graça”, a personagem principal, de 17 anos, trabalha numa plantação de flores onde exerce uma tarefa repetitiva. Maria mostra-se entediada e sem esperança. Quando descobre que está grávida e sai do trabalho por divergências com seu chefe, se vê sem saída, ainda mais com a difícil situação de um país como a Colômbia. Canclini, em “Ser diferente é desconectar-se?”, diz que é a sociedade que trata de saber como começa o futuro da juventude.
“Ao perguntar o que significa, hoje, ser jovem, verificamos que a sociedade que responde ser o futuro incerto ou não saber como construí-lo está dizendo aos jovens não apenas que há pouco lugar para eles. Está respondendo a si mesma que tem pouca capacidade, por assim dizer, de rejuvenescer-se, de escutar os que poderiam mudá-la.”
No caso, mostra-se um país com sérios problemas infra-estruturais, sobretudo na questão do tráfico de drogas, abordado pelo filme posteriormente. Ainda no aspecto da juventude, o autor argentino fala sobre os riscos de exclusão nos mercados de trabalho, que aumentam nos países periféricos; e com a informalidade do trabalho, cria instabilidade no salário, implica privação de recursos de segurança social, saúde e integração, criando “a opção furiosa pelo risco, a auto-marginalização ou o dane-se.”
No desenrolar do filme, Maria, sem opção de emprego, aceita o convite de um amigo para alimentar o tráfico de drogas nos EUA, servindo de “mula” (pessoas que engolem entorpecentes para que consigam entrar em outros países sem ser pegas). A jovem sonha com tal país. No texto “Globalização, democracia e terrorismo”, Eric Hobsbawm trata desse tema. Segundo ele, 2,5 bilhões de pessoas foram transportadas anualmente pelas linhas aéreas de todo o mundo no final do século passado. Com a globalização, essa mobilidade dos seres humanos levou a países como EUA, Canadá e Austrália 22 milhões de imigrantes provenientes de países pobres entre 1974 à 1998.
Chegando em terras americanas, brota a desilusão. Algo que também se encontra presente no mesmo texto é a questão sobre xenofobia. “..., a nova globalização de movimentos reforçou a longa tradição popular de hostilidade econômica à imigração em massa e de resistência do que se vê como ameaças à identidade cultural coletiva.” Isso é recorrente logo quando a menina põe os pés fora de seu país, quase sendo pega por policiais norte-americanos.
Desde o fim da Guerra Fria, com os EUA emergindo como grande potência mundial e ganhando a rotulação de possuir uma destacada qualidade de vida de sua sociedade, enfatiza a imagem do dinheiro e a facilidade no acesso de novas tecnologias, sobretudo no campo comunicacional. Milton Santos, em “Por uma outra globalização”, faz severas críticas ao conceito de globalização hoje existente. Ela fala sobre a emergência de uma dupla tirania, a do dinheiro e a da informação, intimamente relacionadas. “Ambas, juntas, fornecem as bases do sistema ideológico que legitima as ações mais características da época e, ao mesmo tempo, buscam conformar segundo um novo ethos as relações sociais e interpessoais, influenciando o caráter das pessoas.”
Ao final, já conseguindo se desfazer das drogas e livre para voltar a seu país, Maria decide ficar em terras americanas sonhando com uma solução para sua vida econômica, e não esquecendo a sua cultura, sua pátria e sua família. Renato Ortiz, em “Um outro território”, comenta que o mundo seria formado por um conjunto de civilizações “inter”, atuando entre si. “..., a civilização ocidental, uma entre tantas outras, teria um papel de destaque, impondo seus padrões de dominação junto a outros núcleos civilizatórios. Portanto, a argumentação preserva a independência das culturas. Cada uma delas giraria em torno de seu próprio eixo, difundindo seus traços para fora de seu território de origem.”
Observando todos os aspectos mencionados, podemos constatar que tanto “Maria cheia de graça” quanto o documentário “The Corporation” mostram a frieza, de uma maneira maquiavélica, de como atuam tais empresas e máfias em favor único e exclusivo do lucro (capitalismo), esmagando avassaladoramente muitos indivíduos.
Por Álvaro Lutterback e Felipe Escarlate
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