24.9.13

Diferenças Culturais

Já pensou que poderia deixar alguém ofendido ao assoar o nariz na rua? Não? Então, nunca vá à Coreia do Sul.

Seu cachorro tem um microchip contendo informações de vacinação? Não? Então não o leve a Paris.

Quer passear numa excursão com um grupo de franceses? Bem, acho que você irá sozinho.

Ainda que estiver com muita fome em um país árabe, não coma toda a comida do prato. Afinal, você não quer ser chamado de mal-educado, não é? Mas se estiver no Japão, deixe o prato limpo. Afinal, você não quer fazer desfeita, não é mesmo?

Se não lhe apetece bebidas alcoólicas e, às 6 da tarde, quiser tomar um café, não vá à Rússia.

Se você não espera ser cumprimentado com um beijo na boca ou uma cuspida no pé, então retire Rússia e Nova Zelândia do seu roteiro de viagens, respectivamente.

Pensando bem, vá a todos esses lugares. Compreenda, conviva, entenda, cresça e divirta-se. As diferenças culturais existem para serem exploradas. Assista o vídeo e teste suas reações às diferenças culturais.



O vídeo é, no mínimo, engraçado. Aliás, o próprio fato de achá-lo engraçado, já me situa na minha própria cultura.

E você? Já teve algum estranhamento frente à diferença de determinada cultura?
Já conviveu com diferenças culturais de outros países? De outros estados? De outras cidades?
Sabe de outras diferenças curiosas sobre outros países?
E todas essas diferenças? São elas melhores ou piores que as suas?
Bem, essa resposta eu tenho. Nem piores, nem melhores. Apenas diferentes.
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23.9.13

O Velho Tema do eu e do outro


Nos estudos sobre cultura, é fundamental compreender e relativizar as diferenças entre indivíduos ou grupos. Não apenas para evitar tendências etnocêntricas, mas para reconhecer a forma através da qual os indíviduos constroem sentido socialmente, mesmo com base na diferença. Este processo interpessoal constitui aquilo que conhecemos como alteridade: a percepção de si mesmo e do outro, que é dada a partir da relação do "eu" com outros indivíduos.
Abordando este tema, o aluno da disciplina de Comunicação e Cultura, Bernardo Fajoses, nos recomendou um pequeno texto de Arthur da Távola capaz de exemplificar a forma pela qual estas relações entre o "eu" e o "outro" são construídas.


O VELHO TEMA DO EU E DO OUTRO

Veja se dá para entender: a gente, para a gente mesmo, é a gente. Raramente consegue ser o outro. A gente, para o outro, não é a gente, é o outro. Deve estar confuso. Tento de novo. Cada um de nós vive uma ambigüidade fundamental: ser a gente e ao mesmo tempo, ser o outro. Pra gente, a gente é a gente. Para o outro, a gente é o outro.

Temos, portanto, dois estados: ser o eu de cada um de nós e ser o outro. Na vida de relação, pois temos que saber ser o ‘eu individual’ e ao mesmo tempo, aceitar funcionar em estado de alteridade (outro vem de ‘alter’), ou seja, de ‘outro’.

O outro, raramente nos considera como a gente (como pessoa singular, peculiar, própria, única, desigual). Em geral, ele nos considera como o ‘outro’. Daí surgem os conflitos. Não apenas o outro em geral não nos considera como ‘a gente’. Também a gente não sabe aceitar, ou raramente aceita, ser tratado como ‘outro’. A gente quer ser tratado como a gente sabe que é, e não como o outro nos considera.

A gente sempre tem esperança que o outro descubra o que a gente é. Mas isso é muito difícil, porque o outro nos vê como ‘outro’ ou como qualquer projeção dele, jamais nos vê como a gente se vê ou quer ser visto ou gostaria de ser visto.

Uma relação de duas pessoas dá-se portanto, em quatro etapas: i) para Joaquim, Maria é o outro; ii) para Joaquim, Joaquim é Joaquim; iii) para Maria, Joaquim é o outro; iv) para Maria, Maria é Maria.

Mas Maria quer que Joaquim não a veja como ‘o outro’ e sim como Maria. E Joaquim não quer ser visto como ‘o outro’, ele quer ser visto como Joaquim. Mas nem Maria o vê como Joaquim (e sim como ‘o outro’), nem Joaquim a vê como Maria (e sim como ‘o outro’ na pessoa dela).

É essa a vontade de que nos vejam como individualidade que somos, o que nos leva a exigir talvez demais daqueles que se relacionam conosco. Eles talvez não estejam preparados (raramente estão) para nos ver como ‘eus’, como unidades próprias, como somos ou como queremos ser.

Exigir dos demais que nos vejam em nossa individualidade é um fato de pouca sabedoria. Raramente eles o conseguem, porque se somos ‘eu’ para nós mesmos, somos outro para eles. Em estado de ‘eudade’ (de eu), somos uma pessoa. Em estado de alteridade, somos outra pessoa.

Conseguir, sem exigir ou cobrar, porém, que o outro não nos veja como ‘o outro’ que somos para ele, mas como o ‘eu’ que somos para a gente, é ato de sabedoria. Significa saber ser nítido, saber colocar-se como pessoa e como individualidade, saber ocupar o próprio espaço sem qualquer invasão do espaço dos demais ou sem qualquer limitação do que eles são e nos agregamos, por inveja ou por admiração (coisas muito parecidas).

Para tal, é mister que saibamos ver o outro não apenas como o ‘outro’, mas como o ‘eu dele’ para ele. Mais claro: significa ver o outro como ele é, na condição de ‘eu’ ou seja, de indivíduo próprio, peculiar, semelhante sim, mas desigual e não na condição de ‘outro’, que é como ele chega até nós.

É no centro dessa relação que está a essência do problema da comunicação e da comunhão (que vem a ser a mesma coisa).

Eu devo ser ‘eu’ para mim e para o outro. O outro deve ser o ‘eu-dele’ para mim. Eu devo aceitar ser ‘o outro’ para o outro. Mas devo desejar e conseguir ser ‘eu’ para ele. Eu, em estado de ‘eu’, devo aceitá-lo como outro. Eu, em estado de ‘outro’, devo aceitá-lo como o eu dele. Eu e ele somos ao mesmo tempo ‘eu’. Eu e ele somos ao mesmo tempo ‘ele’. Ele é ‘eu’ mas também é ele. Por isso somos, ao mesmo tempo, semelhantes e diferentes. Por isso somos irmãos. Por isso a humanidade é uma só. Por isso a igualdade humana é uma verdade, na diferença individual.

E, para terminar, um outro alcance, paralelo ao principal, mas verdadeiro nas relações humanas: o outro nunca sabe direito o que ele é e representa para a gente. E a vida nos vai ensinando a ser cada vez mais sozinhos, pelo acúmulo de não correspondência daqueles que sempre nos significam algo, mas nunca o souberam ou perceberam na exata medida. Ou então, preocupados em excesso com os próprios problemas nunca atenderam ao potencial de afeto que por eles ou para eles havia em nós e foi desgastando em uso ou dispersão, já que não o souberam receber.

Às vezes esse ‘outro’ é mesmo o outro. Aí é a gente que fica com o próprio gesto de amor solto no ar à espera de aceitação, entendimento e correspondência. Em ambos os casos, dói. Mas isso já é outra crônica.

(TAVOLA, Arthur. In: TAVOLA, Arthur da. Cada um no meu lugar. Rio de Janeiro: PLG Comunicações, 1980)