22.5.08

| Reflexões "Maria cheia de graça"- Parte 2


“Maria Cheia de Graça” (Marie Full Of Grace, 2005) era um tímido filme latino-americano (produzido em grande parte na Colômbia) em janeiro de 2005. Foi quando Catalina Sandino Moreno, atriz protagonista da produção, foi indicada ao Oscar por seu papel. Méritos interpretativos à parte, o filme exemplifica de forma eficiente algumas conseqüências do processo de globalização.
O primeiro ponto a ser destacado é a própria condição da personagem no filme. Maria é uma jovem colombiana que trabalha em uma empresa local e, com seu parco salário, tem que sustentar a mãe e a irmã desempregadas. Segundo Canclini, em seu texto “Ser diferente é desconectar-se?”, 39% dos jovens mexicanos não têm trabalho. Se considerarmos que a economia mexicana é uma das mais importantes e fortes da América Latina, pode-se deduzir que na Colômbia (e na América Latina de uma forma geral) o quadro tende a ser ainda pior.
Tal situação faz com que regiões do mundo como a Europa e os Estados Unidos se projetem como “terras de oportunidades” para milhões de imigrantes. Eric Hobsbawn, em seu texto “Globalização, democracia e terrorismo”, registra que entre os anos de 1998 e 2001 entraram nos Estados Unidos, Canadá e Austrália um total de 3,6 milhões de imigrantes. Dois efeitos podem ser deduzidos daí: a fuga de cérebros e mão-de-obra de países marginalizados no processo de globalização e o crescimento da xenofobia nos pólos receptores de imigrantes.
Esse último aspecto pode ser observado no filme através da própria chegada de Maria no aeroporto de Nova Iorque. Em função de seu biótipo, ela é imediatamente encarada pelo policial da alfândega como imigrante que rouba mão-de-obra local ou então trabalha como transportadora de drogas entre dois países. A (falta de) receptividade também pode ser vista na reação do frentista às perguntas de Maria. O trabalho como “mula” é outra conseqüência da globalização mostrada no filme: sem perspectivas de emprego local e atraída pelos altos ganhos, Maria acaba entrando para o mundo do crime em seu favor.
De forma geral, pode-se ampliar os aspectos e situações vividas pela personagem a uma análise mais geral do processo de globalização e seus efeitos. Hobsbawn afirma que um dos elementos desse processo é o fim da União Soviética e o conseqüente fim da Guerra Fria, que teve como uma das conseqüências o aumento exponencial do número de Estados soberanos com a fragmentação de antigos conglomerados políticos e grandes países. Muitos destes pequenos Estados, muito instáveis, acabam indo à falência e seus governos perdem poder.
Outros elementos que marcam o início do processo de globalização e as suas conseqüências são as transformações no modelo capitalista, que passa a ser a partir deste momento neoliberal; bem como o crescente aumento dos fluxos de migração entre os países e as grandes transfomações ocorridas nos campos dos meios de transporte e comunicações. O primeiro conferiu às pessoas uma mobilidade e agilidade nunca antes vista na história; e o segundo revolucionou o contato entre diferentes povos e culturas com a interconexão via eletrônica de pessoas ao redor do globo terrestre.
Derivam desses elementos as privatizações ocorridas no mundo inteiro e a instalação de empresas multinacionais em diversos países. Tais aspectos, aliados ao enfraquecimento do sindicalismo, criam um quadro de exploração de mão-de-obra barata em países pobres, aliada a uma remessa de lucros aos países ricos industrializados.
Como resultado final de todo o processo, vobserva-se a disparidade crescente entre países ricos e pobres, bem como a falta de perspectivas para milhões de jovens, dos quais exige-se crescente qualificação acadêmica e profissional. Também percebe-se, como aponta Canclini, a formação de “guetos”, “tribos”, “ilhas culturais”; bem como uma certa desmobilização juvenil em relação ao futuro.
Enfim, a globalização sob a égide do capital, da forma como vem ocorrendo, não oferece um panorama favorável do ponto de vista econômico e social para grande parte da população mundial e, especificamente, da América Latina – contexto tratado pelo filme aqui citado. Observa-se que o processo previlegiou apenas uma parte dos países do planeta, marginalizando o restante a uma realidade bem diferente da desejada ou apresentada nos países “conectados”.

Por Fabricio Beserra e Felipe Haurelhuk

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