23.6.08

| Estilo de vida Vegan

Abaixo podemos ver um artigo escrito por nosso colega Ícaro, referente ao livro de auto-ajuda Magra & Poderosa, de Rory Freedman e Kim Barnouin. Lembrando que essa temática já foi discutida em nossas aulas de Comunicação e Globalização.



Neopuritanismo e bioascese na auto-ajuda vegan:
Como (e por que) ser magra & poderosa?



A experiência corporal na contemporaneidade encerra inúmeros paradoxos: a corpolatria (culto exacerbado do corpo) aliada a um horror por sua condição material necessariamente contingente, a epidemia de obesidade sem o lógico e subseqüente extermínio da fome e o convívio do imperativo do gozo e do prazer – que configura certo hedonismo – com o imperativo de purificação – que se manifesta através de uma série de privações e sacrifícios – são apenas alguns destes paradoxos (SIBILIA, 2006).
Localizar a estrutura paradoxal que alicerça muito dos discursos que sintomatizam, ao mesmo tempo em que conformam a relação de nossa sociedade com o corpo é o que pretendemos neste trabalho. Vamos nos deter mais especificamente no livro Magra & poderosa: um guia franco e sem meias palavras para você deixar de comer besteira e ficar maravilhosa!, escrito pela ex-agente da Ford Models, Rory Freedman e pela mestre em nutrição holística e ex-modelo, Kim Barnouin. Este livro converteu-se em fenômeno editorial depois que a ex-spice girl, Victoria Beckham foi fotografada com um exemplar em mãos. Por conta da tal fotografia, o livro deixou a posição 77.938 da lista dos mais vendidos e, sofrendo o chocante acréscimo de 37.000% nas vendas, alcançou o primeiro lugar na lista do New York Times.
O best-seller de Freedman e Barnouin é atravessado por um tom bastante agressivo e radical (de acordo com o subtítulo da edição brasileira: sem meias palavras) no que tange ao seu projeto de “purificação corporal” através da adoção do estilo de vida vegan. Apesar de cooptar, para fortalecer seus argumentos lipofóbicos, uma série de fenômenos que, em um primeiro momento poderiam parecer novos neste tipo de discurso, por desvelarem, por exemplo, as complexas e ardilosas relações entre capital, indústria alimentícia e políticas públicas de saúde, Magra & poderosa aparece no terreno contemporâneo de dietas, exercícios e cirurgias como fenômeno repleto de peculiaridades, que pode estar prenunciando uma maior elegância dos imperativos bioascéticos.
Essa maior elegância não se dá na direção de um apaziguamento do sofrimento, implicado nos sacrifícios que configuram as práticas bioascéticas, mas por uma suposta implementação de uma dimensão política que re-significa tais práticas. Se a prática da ascese – que atravessou inúmeros momentos históricos – implica em um processo de subjetivação, na delimitação e reestruturação das relações sociais, é um fenômeno social e político e está ligada à vontade, a ascese contemporânea (bioascese) tem como processo de subjetivação correspondente a formação de bio-identidades. Essa biossociabilidade configura-se como forma de sociabilidade apolítica constituída por grupos de interesses privados, que se constituem não mais a partir de critérios como raça, classe, estamento, orientação política, mas segundo critérios de saúde, performances corporais, doenças específicas, longevidade, etc (ORTEGA, 2002; RABINOW, 1999).
A inserção da ascese na vida cotidiana inaugurada pela ética puritana, conforme postulou Weber (2004), passou por um notável processo de secularização quanto a seus fins. Magra & poderosa serve-nos aqui como um potente ponto de partida na cartografia dos novos sentidos que essas práticas de ascese intramundana vêm assumindo na sociedade contemporânea. Se esta expansão das práticas ascéticas para o terreno mais amplo da vida cotidiana – segundo a arguta visão de Weber – constituiu o solo “espiritual” sobre o qual se alicerçou o capitalismo moderno, suspeitamos que os novos sentidos que tais práticas adquirem em nossa sociedade podem auxiliar na compreensão do “espírito” do capitalismo contemporâneo.

Por Ícaro Ferraz Vidal

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