9.9.14

LÉVI-STRAUSS


Lévi-Strauss, considerado o pai da antropologia estrutural, faleceu em outubro de 2009, próximo de completar seus 101 anos e até então continuou na ativa refletindo sobre o mundo em que vivemos. Em "Tristes Trópicos", uma de suas principais publicações, ele assim se define:
"É assim que me identifico, viajante, arqueólogo do espaço, procurando em vão reconstituir o exotismo com o auxílio de fragmentos e de destroços."

Abaixo reproduzo parte da entrevista que ele deu para a Folha de São Paulo, em 1993 (leia na íntegra). Essa entrevista foi posteriormente publicada no livro "Artes do Conhecimento", que compila, juntamente com "Conhecimento das Artes", as consideradas 100 melhores entrevistas publicadas pelo caderno cultural Mais!, também da Folha.

FOLHA DE SÃO PAULO - O relativismo antropológico, do qual o senhor é um fundador...
LÉVI-STRAUSS - De jeito nenhum. Não sou o fundador do relativismo antropológico. Ele existe desde Montaigne [1533-92]

FOLHA - De qualquer jeito, o relativismo antropológico não teria reproduzido nas sociedades ocidentais contemporâneas um pensamento análogo, uma estrutura equivalente hoje à ideologia bipartida dos ameríndios, já que propõe a co-habitação com culturas exteriores?
LÉVI-STRAUSS - Alguns podem fazê-lo e pensar dessa forma talvez. Mas eu não iria tão longe. Para mim o relativismo cultural não tem conteúdo positivo. É simplesmente a constatação de que não dispomos nenhum critério absoluto para julgar uma cultura em relação à outra. Eu paro diante dessa incapacidade. Não tento substituí-la por algo positivo, como seria a doutrina da Unesco, por exemplo.

FOLHA - O senhor sempre tomou o partido da ciência, mas, na releitura de Montaigne que faz em a História do Lince mostra também suas distâncias em relação a uma fé no conhecimento. O senhor se tornou mais cético em relação à ciência?
LÉVI-STRAUSS - A lição que tirei de Montaigne é que estamos condenados a viver e pensar simultaneamente em vários níveis e que esses níveis não incomensuráveis. Há saltos existenciais para passar de um a outro. O último nível é um ceticismo integral. Mas não se pode viver com ceticismo integral. Seria preciso se suicidar ou se refugiar nas montanhas. Somos obrigados a viver ao mesmo tempo em outros níveis em que esse ceticismo está moderado ou totalmente esquecido. Para fazer ciência, é preciso fazer como se o mundo exterior tivesse uma realidade e como se a razão humana fosse capaz de compreendê-lo. Mas é "como se".

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