24.11.08

| Hedwig e a queda do Muro
identidade de gênero como construção




| partindo do filme "Hedwig and The Angy Inch" (2001), projeto autoral do diretor estadounidense John Cameron Mitchell, como objeto para diálogo e problematizações, um dos grupos de alunos da disciplina de Identidades Culturais na Contemporaneidade - formado por gueko hiller, manaíra carneiro, nicolas rodrigues e tiago rubini - tratou de questões referentes à identidade de gênero em seu projeto de análise pertinente às atividades de encerramento da disciplina.



Hedwig and The Angry Inch, Tear Me Down


| em "Tear Me Down", canção de abertura do musical, fica clara uma proposta da obra em associar a temática do Muro de Berlim como demarcador de "extremos", de "opostos" à personagem título, transexual, Hedwig e suas questões quanto a identidade de gênero. Neste excerto inicial da obra cinematográfica também se indica outra interessante questão referente a temática das indentidades; neste caso, a de nacionalidade. Já suscitaria interessantes e importantes reflexões o fato de ser estadounidense e não alemão ou "ao menos" de outro país do leste europeu, o roteirista - também diretor - responsável por desenvolver com tanta propriedade questões fundamentalmente ligadas à nacionalidade da personagem que protagoniza a história (nascida na alemanha oriental no ano de início da construção do muro), questões estas relacionadas diretamente com fronteiras identitárias, com hibridações e reflexões quanto a troca e contatos culturais diversos. Reflexões estas que permitiram diálogos com o conceito do espanhol Castells quanto a identidade de projeto: "quando os atores sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade e, ao fazê-lo, de buscar a transformação de toda a estrutura social".
| a queda do Muro de Berlim, com tudo o que isso representava no contexto da competição política, econômica e cultural daquele momento histórico, remetem na obra a uma clara alusão simbólica da destruição ou, ao menos, da flexibilização, para a personagem - "Não há muita diferença entre uma ponte e um muro", das demarcações dos limites identitários de gênero - tão polarizados quanto "o mundo da guerra-fria" nas sociedades modernas e contemporâneas - bem como dos políticos, econômicos e culturais. Aqui se viabiliza uma outra relação pertinente com Castells, com a lógica do individualismo em favor da comunidade inteira (transformações pessoais automaticamente mudando o contexto, intencionalidade com extencionalidade): "No contexto da ordem pós-industrial, o próprio sujeito torna-se um projeto reflexivo".


Hedwig and The Angry Inch, The origin of love

| Segundo Foucault, entre os anos 1860-1870, os discursos científicos sobre a origem biológica de todos os comportamentos sexuais do ser humano se multiplicaram consideravelmente. Daí a nossa naturalidade em atribuir aos órgãos genitais e a outras características fisiológicas as provas irrefutáveis da identidade de gênero de alguém.
| na canção The Origin of love, o Mito do Andrógeno da mitologia grega - originalmente presente no discurso de Aristófanes no "Banquete" de Platão - destaca que, no início dos tempos, os seres humanos eram enormes e redondos, com quatro braços, quatro pernas, duas cabeças e tinham os dois sexos. Eram a criação preferida de Zeus, o rei dos Deuses. Mas, por terem se tornado ambiciosos e por terem tentado roubar o fogo dos deuses, Zeus, como castigo, partiu os seres humanos em dois. Mandou que Netuno costurasse a pele - no lugar do remendo ficou o umbigo. Sem piedade, afastou as metades pelo planeta. Depois disso, os seres humanos passariam a vida se sentido incompletos, vagando desesperados pelo mundo, procurando sua outra metade. Quando se encontravam, as metades se abraçavam chorando, ficando assim - abraçados - até morrer. Preocupado, com medo de que os seres humanos simplesmente desaparecessem da face da terra, Zeus criou os orgãos sexuais para que pudessem se reproduzir enquanto estivessem abraçados, mas os distribuiu aleatoriamente. Segundo este mito, esta seria até hoje a nossa sina: vagar pelo mundo, sentindo-nos incompletos, procurando nossa outra metade seja ela de qual "sexo" fosse.


Hedwig and The Angry Inch, Angry Inch

| Os padrões médico-científicos para a classificação de gênero são arbitrários e histórica e socialmente legitimados como verdades absolutas a partir do século XVIII. Para Foucault a vigília médica é uma das expressões do biopoder.
| Thomás Laqueur, depois de fazer um levantamento bibliográfico sobre o assunto, chegou à conclusão de que somente no século XVII se comentou a respeito da diferenças biológicas entre um homem e uma mulher. Até então, a medicina era isomorfista: acreditava que existia um único corpo com duas diferentes manifestações do mesmo gênero. A vagina - que passou a ter um nome diferenciado do pênis somente em 1700 - era vista como nada mais que uma inversão do pênis. Berenice Bento comenta que os médicos da época não achariam surpreendente a ocorrência de uma pessoa ter sua vagina irrompida em pênis no decorrer da sua vida.

| com uma abordagem bastante estudoculturalista quanto a complexas problematizações das questões referentes ao objeto e ao tema do trabalho, o grupo caminhou para suas conclusões - contudo, deixando debates e reflexões abertas para e com a classe, intuito também inicial do grupo para a suscitação de novas reflexões a partir de nossas belíssimas bases acadêmicas angariadas ao longo da disciplina. Evidenciando o entedimento das identidades de gênero, e "fronteiras" de identidade de gênero bem como toda a gama de manifestações e materializações atribuídas em uma lógica estruturada de diferenciação de gênero como construção, as questões em sala tratadas a partir de produções de Tomás Tadeu da Silva e Pollack quanto a identidade como construção narrativa e os aspectos da memória, coletiva/social e individual em tudo isso, também foram utilizadas.



| Hedwig, ainda Hansel em sua infância, fala sobre o passado da mãe e os desdobramentos culturais em suas vidas desse passado, dessa memória. Os diálogos com objetos da cultura ocidental também se evidenciam como fundantes para a construção de sua identidade enquanto narrativa pessoal dentro de todos os limites contextuais de cada um quanto a sua construção identitária, evidencia-se também (tanto quanto "memória' quanto no cotidiano como campo de embate cultural), a questão do "outro", fundamental para a construção do "eu" - identidade construída como narrativa, desprovida de essência e alicerçada na alteridade.

2 comentários:

Thais Baptista disse...

gueko, q texto incrivel!

Marildo Nercolini disse...

Parabéns, grupo, pelo belíssimo trabalho.